sorry folks: u forgot tha say 'please'
voltaremos quando vos for mais inconveniente

STATE-A-SCENE

"Dúzia e meia de ratões que se ajuntaram para envelhecer, supportando uma vez por semana, a sensaboria dos vinhos do Braganza e a chateza deprimente dos menus. À sobremeza, habitualmente, os vencidos da vida dizem mal, com mais ou menos verve - o que é uma vingança lícita, na bocca de indivíduos de quem se tem dito mal, sem verve nenhuma. Um terço é celebre, o outro dá-se ares de o ser, e emfim o último faz um fundo de comparsaria pagante, destinado a fazer o talento maquillé dos outros dois. Mal humorada sempre, a opinião pública, ao ler no Tempo as descripções dos seus banquetes, pergunta o que é que esse grupo pretende, e intenta, e mira longe. A resposta é simples. Os Vencidos da Vida, quando juntos, o que pretendem é jantar; depois de jantar, o que intentam é digerir; e digestão finda, se alguma coisa ao longe miram, tanto póde ser um ideal, como um water-closet. Não há portanto razão p'ra sobressaltos. Que os Vencidos jantem em paz. E se a obscuridade os consola das amarguras soffridas na via pública, fiquemos nisto - a história nem sempre fixa os nomes dos que bebem champagne."
Fialho de Almeida

Um: as ideias que expomos não possuem qualquer poder de tração entre aqueles que as poderiam progredir e não serão repetidas em circunstância alguma entre os que mais altivamente as deviam pronunciar. Estamos pois, manifestamente, no caminho certo.

Dois: infelizmente episódios recentes privaram-nos de divulgar mais um momento de grande erudição de uma comunidade vibrante vibratória que se congrega em torno das pretty pictures sem que conseguíssemos evitar que a prosa em questão fosse lida com uma certa dose de ironia e cinismo que -primeira vez para nós- não era intencional. Por esse motivo este ano não faremos os habituais State of the Art nem o Scene Report, mas no seu lugar uma declaração de interesses a quem nos conceder por breves momentos a sua paciência e alguma tolerância intelectual.

Três: há não muito tempo atrás um conhecido promotor de ligeirezas anunciava e depois cumpria com promessa de sair a disparar guns blazzing! sobre os podres da BD, conseguindo desencadear uma razoável troca de impressões -concordantes- nos comentários do seu post. Apesar de por "guns blazzing!" nós querermos dizer com uma pena de fazer cócegas numa mão e um ramo de flores na outra para logo depois pedir desculpa, fazemos aqui notar que não reclamamos a originalidade de depreciar a BD nacional: esta é uma comunidade que se preza por desprezar o seu objecto, desde autores, editores, comentadores, hobbistas e especialistas. Mas, sobretudo, desprezam-no –por desconhecimento- aqueles que mais resistem a juntar-se essa comunidade e dar-lhe algum sentido: os potenciais leitores. Relembramos que o gap que separa leitores da banda desenhada encontra a sua razão nos livros em si e em mais motivo algum.

Frases como "a criação artística é sempre uma tarefa espiritual – pragmaticamente nada traz de utilitário" são sintomáticas de uma certa postura que deve ser contrariada: qualquer manifestação deve pretender transformar o real por mais limitada que seja a sua abrangência, sobretudo aquelas que se revolvem em esferas mais intelectuais e intencionais. Um pouco mais de comandos vanguardas com um pé na história da arte e outro na história política talvez permitissem rescrever o "centro da questão é ser-se compreendido ou não. Tanto para o artista como para o crítico é sempre desgastante tentar fazer valer a sua verdade" para incluir o leitor como parte fundamental do processo e não um acrescento possível, mais no género o centro da questão é a acção desencadeada na sua leitura, a verdade do artista e do crítico apenas importam enquanto meio para um fim.

Na continuação de um certo “pensamento radical romântico” cheio de “contradições ideológicas” e “pseudo-anarquistas” “revolucionários” “em festa” onde se cruza “experimentação”, “música” e “direitos” muito além dos reservados aos hominídeos habituais, ajudaremos artistas a “rever a sua própria postura ideológica” e a “reflectir sobre a sua atitude criativa” a propósito da mais sagrada das vacas de hoje, o Festival Internacional BD de Beja. Cuz we care, somebody has to say it.

Comentário censurado originalmente em http://chilicomcarne.blogspot.pt/2013/06/anarquismo...
A censura é sempre coisa feia, mas lá devem ter as suas razões...

Journal for the Advancement of Portuguese Comics 2010-present, Spring, 2013, Issue 5



STATE OF THE ART
SCENE REPORT

STATE-A-SCENE!

You and yo mamma Independent Scholar






As inúmeras, e desiguais, variantes que se personificam sobre a designação banda desenhada requerem uma cada vez mais urgente clarificação, pese embora a aparente incapacidade entre os que mais batalham pela sua aceitação geral de realizarem esse exercício. Escudando-se atrás da cada vez mais facilmente defensável e evidentemente inútil máxima do “a banda desenhada não é só para crianças”, a sua definição pela negativa – o que ela não é - parece-lhes suficientemente categórica para se escusarem de o conceberem pela positiva – o que ela é.

O presente estado da arte homogeneiza sobre o mesmo termo todas as ostentações heterogéneas que entre si apenas partilham uma aparência formal, considerando o objecto unicamente sobre o prisma do material, ferramentas e processo, mas não do seu uso, como se este último não fosse um fim que prevalecesse sobre a sua feitura. É uma designação superfluamente ampla, descomedidamente abstracta para que conceba uma expressão com qualquer valor intrínseco real, e ainda que consentindo sem qualquer julgamento de carácter que esses abreviemos são atribuíveis à infância da matéria nos espíritos que as diligenciam, à sua ingenuidade de bondosas intenções ou excesso de voluntarismo, ou simplesmente paternalismo cuja caridade dispensamos, torna-se urgente uma cabal desvinculação nesta confusão de desígnios que afligem a comunidade de agentes, promotores, entusiastas, comentadores e autores, e os raros leitores que os merecem.

Se é cada vez menos necessário reiterar que a “banda desenhada não é apenas para crianças”, é entre aqueles que mais vocalizam a proposição que simultaneamente se constata que afinal o upgrade contempla apenas a próxima faixa etária e raramente se expande além do juvenil.

(Pausa para contemplarem as vossas estantes...)

Pesem as ofensas de carácter que os injuriados entenderem, essas BDs onde carrancas zeladoras da ortodoxia ancoraram os seus prazeres e predileções são hoje tão sofisticadas e complexas como um filme de terror da década de 50 é hoje medonho para um infante: not. Falemos pois da banda desenhada enquanto objecto de, e para, adultos.

A origem da BD é política. Topffer, Yellow Kid, Bordalo... O sequestro da BD para idades menores é-nos pontualmente interrompido por obras como Maus ou Persépolis ou os Saccos - políticas - ou por novelos gráficos que assumem a sua vocação “adulta” quando implicam no seu texto um afrontar da sociedade. Notemos que do alude de banda desenhada autobiográfica expelidas pelo mercado apenas aquelas que invocam uma atitude além complacência são referenciados como obras “sérias”. Procuremos aos académicos e críticos que nos apontem um exemplo de BD maior para adultos sem uma índole política e estes estarão limitados a citações de comics arty-farty estéreis exclusivamente por vias da sua desconstrução estética.

Do lado arty-farty bedéfilo, a BD é empregue como meio de transgressão visual e as peças resultantes não possuem um conteúdo efetivo porque esse é na sua maioria um acidente que vaza de uma necessidade indirecta, inerente ao meio que o impõe mas que o artista despreza enquanto descobre na reinvenção da forma a possibilidade de atingir a originalidade que lhe escapa no conteúdo. Do lado arty-farty a BD nada nos diz: escusemo-nos de lhe procurar uma mensagem, qualquer subtexto que resulte da sua leitura é obviamente introduzido pelo leitor ante a sua ausência entre elaboradas experiências plásticas, e consequentemente o mesmo leitor pode apartar semelhante explanação na leitura de uma embalagem de sabão.

Nesse sentido, as carantonhas para quem a BD se ficou pelo Mosquito possuem uma certa validação pois proporcionam os alicerces da adequação entre forma e conteúdo que o meio exige. Infelizmente, apesar de suportado, evidenciado, explicitado, destacado pela forma, esse conteúdo torna-se desinteressante além pré-puberdade.

(Pausa para empacotarem metade das vossas estantes...)

E se não podemos ignorar que nas américas ou no oriente encontram um equilíbrio mais generoso entre forma e conteúdo, arranjos gráficos simultaneamente arriscados mas não abstractos e convencionais sem cair no storyboard legendado de príncipes valentes, podemos atribuir-lhes um conteúdo e das demais vezes uma mensagem, mas questionamos a necessidade dessa mensagem quando a sua principal manifestação resulta no fandom e cosplay.

(E o que sobrava da estante agora...)

Pela sua génese a BD só pode ser entendida no equilíbrio inconstante entre cultura popular e arte, independentemente de parte dela preencher ou não requisitos para ingressar na esfera desta última. A inexistência de qualquer tipo de cultura apolítica escusa-nos de explicitar mais detalhadamente a impossibilidade de extrair a BD de determinismos políticos mas aos mais cépticos sugerimos um momento para leer al Pato Donald se a imaginação lhes escapa. De resto, não faltarão licenciados em ciências da cultura com tempo livre em mãos para lhes explicar a inexistência de canais de comunicação imparciais e sua pré-disposição para a manipulação da mensagem. Paradoxalmente, a variante artística obriga-nos a um sucinto alerta antes de prosseguirmos, embora a subjetividade que a implica não só não seja desafiada como adquirida, e no entanto similarmente inócua na sua percepção perante o público em geral e os seus criadores em particular.

Recordemos então aos demais e principalmente aos nossos artistas que a arte encontra por seu lado a sua génesis na crítica da sociedade que lhe é contemporânea e na sugestão das suas alternativas. Se aos nossos afames criadores é-lhes facilmente assimilável a noção de que a arte fala a um nível extremamente pessoal e por vezes impartilhável entre indivíduos que nada deve a consensos, esquivam-se de todo de conceber que a mesmíssima procura igualmente atingir o universal e estabelecer laços entre correspondentes, e na ausência de participação não se pode criar significado: somente quando aquilo que nos é pessoal e único nos toca nos dirigimos no sentido de um compromisso com outros e na ausência desse movimento estamos meramente perante uma sociedade distraída com os bells and whistles dos tarefeiros de ocasião. A arte move-nos a agir sobre a sociedade quando ela nos induz à acção, mesmo se de modo muito localizado ou inicialmente imperceptível.

Concluiremos este breve parêntesis sobre arte e política relembrando o que já afirmamos neste mesmo espaço anteriormente: a vocação da arte para expor verdades sobre a condição humana apenas pode ser cumprida se por sua vez for exposta ao público, i.e., adequando ao nosso objecto: se não for lida, não é BD (recomenda-se a leitura do trabalho seminal nesta área).

Sendo o meio a mensagem, voltemos à BD: defendemos o seu uso como meio para um fim, não como fim em si própria. Não pretendemos auferir as bandas desenhadas mais sisudas de uma maior validade ou sequer respeitabilidade - pelo contrário, poder-se-á defender a aptidão do uso do humor e do sarcasmo como ferramentas de eleição para certos fins: os comix originais e as suas alternativas subsequentes de décadas posteriores permitem-nos a combinação certa entre experimentação visual e o suporte gráfico de uma mensagem explícita, onde a última não só predomina como se assume enquanto razão de ser da primeira, em certos casos reduzida à necessidade indirecta que o conteúdo exige. Estamos pois nos antípodas do arty-farty, cujos resultados são tão estéreis como os quadradinhos ineptos a que se pretendem dispensar mas cujas formulas possuem o potencial para novos discursos, embora o seu shock value dure apenas até ao virar da página: pretendemos mais, pretendemos aquelas obras cujo fechar do livro não sossega a agitação causada e incita à acção ou reacção.

Não encontramos no Festival Internacional de BD de Beja motivo algum de implicação particular que não acusemos em outros festivais, assim como lhe atribuímos igualmente intentos beneméritos numa área que tanto precisa de amor para crescer. Festivais há alguns, expos outras tantas, cada qual com o seu público e faixa etária e até os avant-gardes de há vinte (e três) anos atrás montam barraca para expor as ossadas de uma revolução que deixou passar o seu tempo – porque ninguém se apercebeu da dita. Mas o excesso de entusiasmo dos suspeitos do costume sobre Beja coça-nos da forma errada obrigando-nos a levantar o dedo e colocar aquela pergunta impertinente: then what?

A predominância opinativa de que o que importa é a expo BD, de toda a BD, secunda as diferenças que existem entre as várias vertentes como se essas distinções não fossem fundamentais na sua essência. E quando se festeja a indiferença entre forma e conteúdo festeja-se tudo e não se festeja nada: uma breve leitura às referências dos comentadores habituais revela a tendência que se formaliza nos eixos das jantaradas entre os habitués e os passeios convívio à terrinha. Defendemos uma causa e consequência entre a BD e o seu público, e por mais satisfeitos que os habitués estejam com o evento, we’re still hungry. Queremos ajuizar o festival pelas posturas dos potenciais visitantes das mesmas (declaramos os que visitam, não os que frequentam, pois a distinção compreende o eles e o nós, uma fronteira démica entre o incauto curioso e o habitué) mas ao fim de nove edições e de um festival produzido de modo tão eficiente que não saberemos se lhe é possível apontar melhorias ao nível da organização, encontramos no seu objecto a sua fraqueza e não lhe reconhecemos uma linha editorial que lhe permita emergir além do montra de para um ideário de. Explicamos as diferenças ilustrando as consequências em apenas três palavras: Bedeteca de Lisboa.

Foi bom enquanto durou,
Depois acabou e nada ficou.
(Hey, rimou!)

A diferença compreende a real importância ou total irrelevância na crónica dos tempos por vir de uma comunidade que apenas o é porque se forma de mínimos denominadores comuns. Não temos nada contra o Beja -hell, nossa cidade natal-, mas alguém tem que ser o vilão desta estória para lembrar às hordas para não sossegarem já: nada se adiantou ainda pela causa. Arty-farty, é música de elevador, Alix e Tex resolvem o mistéri-ox da bolinh-ax é criança, e livro que se lê e se fecha fica fechado: where are my grown folks at?


Nota: encontramos igual confusão de identidades na tendência académica que hoje disseca a BD e que tão rapidamente galga de obra em obra como se estas não estivessem separadas por universos inconciliáveis - claro indício que escolhem a peça pelo seu processo de manufactura e não pelo seu propósito. Mas com a novidade entre os patrícios a desvanecer enquanto também ela se formaliza na sua fisionomia própria, agradece-se a seriedade que trazem ao debate mas é mais uma comunidade fechada nos seus próprios maneirismos.

Anos depois do Beja acabar os convivas reunir-se-ão em faustosos jantares em nova localidade de congregação e entre outros tópicos falarão de saudosos festivais de tempos idos. E esta será a soma do Beja porque no lugar do show and tell ficam-se pelo show. Mas é maior que o festival: os nossos artistas esgrimem as suas skills em fórmulas inócuas ou em distorcê-las para ofender meninas colegiais - e porque essas se querem dar à aparência de se ofenderem com genitália diversa ou nem esse efeito teriam-, apesar de trabalharem um meio que combina imagem e literatura, isoladamente dois catalisadores absolutos de ideias e ideais.make war, not cómicos!

More pissing on comix here here here and here. godbless their little hearts... And yet another here. ...And shiiit, just going wild about it here!


Beja 2013: something should be lurking in the dark - and it's not (but it should)

Estado da Arte III